quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Projeto Leitura Cronológica: Iaiá Garcia

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (1839-1908). Iaiá Garcia. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011


" 'Sim tu amas', dizia-lhe ela [a consiência], 'tu não fazes outra coisa há dois meses; deixaste-te envolver nos fios invisíveis; não sentiste que essa intimidade de todos os dias era a gota d'água que te cavava  o coração. Ah! Tu querias saciar a curiosidade e sair dali sem deixar alguma coisa? Não se brinca com um inimigo; e ela o era, e continuará a sê-lo porque tu estás definitivamente atado' ". (p. 181)

Em Iaiá Garcia, Machado de Assis brinca com o coração de seu pobre leitor. Sofremos sobressaltos a todo momento, em especial nos capítulos finais. Antes de nos conduzir ao final aparentemente óbvio Machado faz várias curvas na narrativa, engana e nos supreende. Devo confessar que antes de me apaziguar com o final me perturbei com o desdobrar dessa história. Acredito que grande parte desses sobressaltos surgiaram a partir da atuação de Iaiá que nos conduzia através de seus sentimentos turbulentos. Ora, era certeza e ora um poço de dúvida e acusação.

Mas enfim, a história nos é apresentada da seguinte forma: uma mãe, viúva, recorrendo a um velho amigo da família para interceder junto ao filho para que este vá servir na Guerra do Paraguai. Um pedido um tanto estranho partindo de uma mãe. O amigo, Luiz Garcia, logo desconfia das intenções desta mãe, Valéria Gomes, que afirmava que a ida do filho a Guerra não somente seria um bem para a pátria mas traria ainda alguns louros heróicos. Pois bem, o fato é que o filho resistia a essa ideia e o amigo também pois não queria carregar a responsabilidade de, quem sabe, mandar um jovem para a morte. Valéria vendo que desta forma não conseguiria o apoio do amigo se utiliza de um sórdido ardil. Ela dá a entender que seu filho está envolvido com uma mulher casada e neste caso obtém a ajuda tão desejada de Luiz Garcia.

A verdade é que seu filho, Jorge, estava de fato apaixonado mas a moça em questão, Estela, estava livre de qualquer empedimento moral exceto, aos olhos da mãe de Jorge, o fato de ter nascido moça  pobre. Estela por sua vez, apesar de também gostar de Jorge, era orgulhosa de mais para aceitar os sentimentos do rapaz que considerava uma caridade que ela não podia e não queria receber.

Jorge por fim vencido vai ao Paraguai onde permanece até o fim da Guerra ganhando certo prestígio entre os militarers. Sua mãe antes de morrer, ainda não satisfeita em separar o filho da amada mandando-o a Guerra, promove o casamento de Estela com o amigo e também viúvo, Luíz Garcia, pai da jovem Iaiá Garcia.

E nesse contexto que Jorge desembarca no Rio de Janeiro e é nesse ponto que acontecem os sobressaltos de que eu falava no ínicio do texto. Onde os não ditos começam a pesar na vida dessas pessoas. Esses segredos não revelados, essas palavras ocultadas por medo ou qualquer coisa vão produzindo mal entendidos enormes que só podem ser solucionados no final do livro.

 Iaiá Garcia é o ultimo dos livros da chamada "fase romântica" da obra de Machado de Assis. É um bom livro, mas apesar de todas as voltas que Machado fez até chegar ao capítulo final o livro não escapa do final um tanto óbvio. Apesar de que pensei (eu confesso) que Machado conduziria a personagem de Iaiá para outro caminho - o que ainda bem não aconteceu.   

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Projeto Leitura Cronológica: Helena

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (1839-1908). Helena.  Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.

"A princípio foi esse olhar um simples encontro; mas, dentro de alguns instantes, era alguma coisa mais. Era a primeira revelação, tácita mas consciente, do sentimento que os ligava. Nenhum deles procurava esse contato de suas almas, mas nenhum fugiu. O que eles disseram um ao outro, com os simples olhos, não se escreve no papel, não se pode repetir ao ouvido; confissão misteriosa e secreta, feita de um a outro coração..." (p. 214)

Esse foi o segundo livro que li do autor há alguns anos atrás - para ser mais precisa há oito anos atrás. Lembro de ter lido e gostado do livro, apesar de ficar um tanto agustiada com o final. Lembro de me perguntar "ai meus Deus isso vai mesmo acontecer?!" Mas eu gostei porque de uma forma um tanto "esquisita" gosto finais tristes. Não sei, mas os livros que são: tristes, estranhos, imperfeitos são aqueles que me deixam impressões mais profundas.

Já nesta segunda leitura que fiz do livro (tendo em vista o Projeto Leitura Cronólogica da obra de Machado de Assis) minhas impressões mudaram um pouco, mas ainda assim minha opinião final é de que Helena é um bom livro. Ele é recheado de reviravoltas que fazem o leitor (curioso) não largar o livro até entender o que de fato está acontecendo.

Dos livros ditos da fase romântica de Machado de Assis que li (até o momento) esse o que mais se encaixa no perfil do romantismo. Nele podemos encontrar algumas das caracteríticas que ilustram esse período literário, são elas: idealização da mulher, amor proibido e a fuga da realidade pela morte.

O livro conta a história de Helena que é reconhecida como filha legítima após a morte do Conselheiro Vale, seu suposto pai. A partir daí ela passa a viver com a família do Conselheiro, seu filho Estácio e sua irmã Úrsula. Helena vai aos poucos conquistando a família e conforme a história vai caminhando percebemos como Estácio vai aos poucos se apaixonando por Helena colocando em cena uma relação "icenstuosa" - coloco icestuosa entre aspas porque descobrimos ao longo do texto que não se trata exatamente de uma relação entre irmãos biológicos. E aqui eu coloco uma pergunta: Será que Machado de Assis teve receio da opinião pública sobre o tema do incesto e por isso recorreu a um desvio que colocou os personagem livres de um amor pecaminoso?

Enfim, o fato é que Helena e Estácio tem uma malfadada sorte e mesmo quando se encontram "livres" de certos impedimentos morais não conseguem sair do plano da idealização.

Seja quais forem as críticas feitas a esse livro eu o tenho como um dos meus preferidos do autor. E usando das palavras de Machado (e adaptando), eu digo: "Dos que então li, este me é particularmente prezado".


sábado, 6 de outubro de 2012

Projeto Leitura Cronológica: A Mão e a Luva

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (1839-1908). A Mão e a Luva. Porto Alegre, RS. Editora: L&PM, 2009.


...deixou-se cair lentamente sobre os joelhos do marido, e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas, como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão. (p.153)
Dificil falar de um livro quando você não gostou. É dificil por que você não ter gostado não significa que a o livro seja ruim. Só aconteceu de você e o livro terem tido um mau encontro.  E não siginica que aconteça o mesmo com outras pessoas. 

Duas coisas me fazem gostar de um livro. As vezes elas estão num pacote, outras separadas. Mas são indispensáveis pra que eu goste de um livro. Primeiro: a históra em si, pra onde ela leva, suas surpresas ou mesmo até a tranquila previsibilidade. Segundo: os personagens. Se eles me convencem como leitora ou se me identifico com eles. No caso de A Mão e a Luva não aconteceu nem uma coisa nem outra.  Desculpe, mas achei esse livro um marasmo só e a tal da Guiomar tão chata que tinha vontade de bater nela.

Pois bem, o livro conta a história dessa criatura, Guiomar, menina pobre que é adotada pela madrinha rica e é cortejada por três pretendentes. E é só isso o livro. Nada mais. O desenvolver da história é como ela faz a escolha do "amor". Mas é claro, o livro tem aquele estilo incofundível da escrita do Machado de Assis que nunca permite que o livro seja ruim de todo. E ao final do texto (nessas edições incríveis da L&PM) tem sempre uma avaliação do texto, um estudo do livro. Bem interessante!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Projeto Leitura Cronológica

Quando eu era criança adorava ler contos infantis e na adolecencia li muita bobagem que se dedica a essa fase da vida. Mas lia também muita poesia na urgência de encontrar eco para os meus amores platônicos, inclusive chegando a produzir meus próprios arremedos de poesia. Entretanto, foi mesmo Machado de Assis que me fez gostar de ler. Ter prazer em ler.

O meu primeiro Machado de Assis foi Dom Casmurro. Me encantei com essse livro e o li e reli muitas vezes. E na esperança de compartilhar meu recém descoberto amor pela leitura presentei amigas com exemplares do livro. Pois bem, foi esse livro que abriu portas para a descoberta de muitos outros títulos e autores.

Recentemente, acompanhando um video do canal literário da querida Patricia Pirota (do blog Ainda Menina Má) me chamou atenção sua ideia de ler a obra do Machado cronologicamente. Imediatamente me animei a fazer o mesmo. Já tinha lido suas principais obras e muitos de seus contos, mas nunca a obra completa. E achei interessantíssima a ideia de lê-lo cronologicamente, talvez uma oportunidade de ver seu amadurecimento como escritor e é claro ler sua obra completa.

Embarquei nesse Projeto Leitura Cronológica da obra de Machado de Assis e cada vez que concluir a leitura de um livro venho compartilhar minhas impressões sobre a obra. Abaixo segue meus comentários sobre Ressureição, primeiro romance Machadiano publicado em 1872.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (1839-1908). Ressureição. Porto Alegre, RS: Editora L&PM, 2011.

Em meus comentários vou tentar não revelar muito do enredo. Infelizmente muitos dos livros clássicos já conhecemos seu contéudo mesmo sem nunca o ter lido. Mas esses livros menos conhecidos de autores consagrados é bom não saber mesmo, não ler sinopse e descobrir a história durante a leitura. Por essa razão vou tentar revelar o menos possível para que você possa ter sua surpresa, a sua própria descoberta da história.

Meu primeiro pesamento ao concluir a leitura foi: com certeza não é a melhor obra de Machado de Assis, mas é um bom livro. 

Ressureição não é um romance óbvio. O final não é o que os romanticos preferem mas é um final característico do Machado. Nenhum de seus livros termina (pelo menos todos os que eu li até o momento termina com "e foram felizes para sempre",ainda que o sejam a seu modo). E o que me parece nesse livro é que mesmo na fase romantica (do momento literário que foi escrito) Machado já era realista, apesar de seus personagem também adoecerem de amor (no livro tanto Raquel quando Lívia liralemente caem doente por amor a Felix) ninguém morreu por essa razão, na verdade as personagens conseguem seguir sua vida sem mais dramas.

 Além disso, gostaria de apontar alguns pontos que me lembraram livros posteriores do Machado. A cena que dá inicio ao romance me causou aquela sensação de dèjá vu. Um homem que recentemente recebeu uma herança, admirando a paisagem do Rio de Janeiro de sua janela. Logo em seguida recebendo a visita de um "amigo" parasita que fica para o almoço. Essa cena me lembrou fortemente de uma passagem de Quincas Borba. Fora isso, o ciúme cego de Félix me lembrou Bento Santiago (de Dom Casmurro). Enfim, alguns elementos que se "repetiram" mas que se aperfeiçoam ao logo dos seus escritos.

Ainda que (minha opinião como leitora) o livro não seja o melhor dos livros, é uma leitura interessate. E essa edição da L&PM além de uma pequena biográfia do autor traz também um panorama do Rio de Janeiro da época e mais um mapa da cidade, do Rio de Janeiro em que Machado escreveu sua história. Recomendo!



domingo, 30 de setembro de 2012

Por que Fanny Price me conquistou


Esse post é para falar um pouco de Jane Austen e sua incrível capacidade de me deixar entusiasmada com a leitura de seus livros e com seus personagens. Finalmente concluí a leitura de sua obra. Mansfield Park foi o último dos seus livros que me caiu nas mãos. Qual a razão deste ter sido o último? Nenhuma em especial. Mas lembro de ouvir muitos comentários dos fãs da obra da autora que apontavam Fanny Price como a heroína mais chata de Jane Austen e Mansfield Park o seu romance mais fraco. Opiniões, opiniões. Cada um tem a sua.

Tive muitas impressões ao ler Mansfield Park mas desde o ínicio Fanny já havia me conquistado e a cada capitulo tudo o que eu havia ouvido falar sobre o livro se desconstruía. Mas por que Fanny Price me conquistou? Bom, Fanny é essa menina desafortunada que é dada a ser criada aos parentes ricos. Mas para estes a criação de Fanny é uma espécie de caridade e ela é sempre lembrada de lhes ser grata. Só essa premissa já me cativa. Histórias de órfãos sofredores povoam o imaginário humano faz séculos e eu sou particularmente fã dessas histórias. Ok. Você pode me dizer que Fanny Price  não é uma órfã, mas eu responderia: é quase como fosse, ora!

Toda a personalidade de Fanny é construída com base nessa criação. Ela tem acesso a uma educação nobre, mas ao mesmo tempo é colocada sempre numa posição inferior aos primos e tios. Então essa moça tímida tem a mente livre tem convicções, sentimentos e opiniões fortes mas quase ninguém conhece porque não lhe é dada a oportunidade de ser ouvida. É uma mente vívida mas presa pela posição que ocupa.

É interessante que os motivos que fazem Fanny ser notada pela família são sua aparência (que melhora ao logo dos anos) e o interesse de Henry Crawford por ela. Nunca o reconhecimento de sua inteligência ou coisa que valha.

É claro que Fanny é apaixonada pelo mocinho, seu primo Edmundo Bertram (o único que desde o início gostou de Fanny),  mas em seu caminho tem um charmoso rapaz que vai tentar lhe desviar do amor platônico. Eu quase torço para que Henry Crawford conquiste o coração de Fanny, mas infelizmente sua atitude final (Jane Austen, você bem que podia ter criado um Henry mais constante, mais perseverante pelo amor de Fanny) depõe contra ele e acaba com todas as suas chances com a mocinha.

E para aqueles que a acusam de passividade eu aponto a sua posição firme. Sua recusa inabalável pela oferta de casamento feita por Henry como prova do contrário. Ela tinha uma opinião sobre o moço e essa opinião não foi modificada apesar de todos os outros a tentarem convencer do contrário.

Enfim, são tantos as razões que me fazem ter Fanny Price como uma das minhas personagem preferidas da obra de Jane Austen que eu não saberia enumerá-las.

A única ressalva que faço a este belissímo livro é que apenas um capítulo é dedicado a dar a resolução/entedimento entre Fanny e Edmund. Teria lido de bom grado mais algumas páginas sobre como Edmund  deu-se conta que amou Fanny Price desde o pricípio. Pois da maneira que se deu me pareceu que a querida Fanny foi quase um consolo ao coração partido de Edmund.

domingo, 1 de julho de 2012

E assim conheci Alguém Que Já Não Fui



Recentemente um seguidor do blog (Nelsinho) veio me indicar um livro de crônicas do Artur da Távola. O livro, Alguém que já não fui. Ele me indicou dizendo que talvez eu fosse gostar do livro. E quando alguém me indica um livro com essas palavras: “talvez você goste”, “tem a sua cara”, pronto! Desperta em mim o desejo quase instantâneo de ler o livro. Mas nesse caso em especial o título do livro também ajudou a aguçar minha curiosidade.

Busquei pelo livro, ele estava esgotado nas livrarias e tive que comprar num sebo – o que eu evito fazer devido ao estado lastimável dos livros, apesar da descrição (nem sempre confiável) “em bom estado de conservação”. Comprei virtualmente e depois acabei descobrindo que o sebo era no meu Estado mesmo, veja só. Fui buscá-lo pessoalmente, grande era a urgência de ler. Chegando lá peguei o livro e saí do sebo toda ansiosa/feliz, em puro êxtase. Fui direto pro ponto de ônibus segurando aquele livro como um amante e só então notei que ele estava... mofado! Muito, muito triste fiquei. Mas já era meu, não tinha volta. Era meu! No ônibus mesmo li algumas crônicas e a cada uma que eu lia eu ficava mais e mais animada e identificada. Chegando em casa tive de colocá-lo de lado...eu precisava limpá-lo antes de poder manuseá-lo sem começar a espirrar ou coçar o nariz. Depois de devidamente limpo - segundo as preciosas dicas da Juliana do blog o batom de clarice - concluí minha leitura e amei. Obrigada Nelsinho por me indicar esse livro! Eu gostei mesmo!

As crônicas de Artur da Távola trazem aquela impressão existencialista da analise do homem, das impressões do cotidiano, dos questionamentos da vida, do aprendizado que se adquire a cada dia. E leva o leitor a pensar, questionar e analisar suas próprias impressões da vida. Segue abaixo um das minhas crônicas favoritas do livro.

QUEM QUISER QUE ACREDITE...

Há os que:
Acreditam em apenas uma verdade.
Acreditam em todas (ou várias) verdades.
Em nada acreditam.
Quase acreditam.

É sempre mais simples acreditar apenas numa coisa. Mesmo que seja complexa como trigonometria, numismática, informática, heáldica ou cosmogonia.

Acreditar em todas as coisas é abri-se para a vida e fechar-se ao imediato. Você jamis reformará, nem mesmo o seu jardim, acreditando em todas as coisas; como não reformará as coisas que eu, você e todos achamos que precisam ser mudadas! O jardim você não reformará, porque acreditará, também, na razão das lesmas e das vespas e dos moscardoões (que a têm), dos matinhos e ervas não estéticas, a quem você deixará viver (no que faz muito bem), porque acreditará nas razões sobejas que têm para tal. Acreditar em todas as coisas talvez seja atingir a sabedoria, que consite em respeitar os ritmos da vida.

Em nada acreditar é uma proposição aparentemente fascinante. Os céticos são os profissionais do charme na História da Filosofia. Faz um efeito danado em nada acreditar...Penas que os tomistas tenham destruído os céticos em dois argumentos fulminantes: 1) Ou o que você diz é certo e entao não deve acreditar nem na própria afirmação (a de que em nada acredita); 2) ou o que você diz é errado e, se é errado, não há o que discutir. De qualquer maneira, para noites frias de outono e de solidões disfarçadas em amarguras ou rejeições, nada melhor que acreditar que você não acredita em nada.

Quase acreditar é delicioso. E profundamente brasileiro. Esta categoria engloba os que "pensam que acreditam" e os que "fingem que acreditam". Quase acreditar dá a sensação de que vamos provar um pedaço de cada verdade. Sentimos-lhe o gostinho. Enquanto dura a impressão da verdade a pessoa pensa que encontrou o caminho e que ali está a solução para aquela dúvida, problema ou angústia. As "academias" dos centro comerciais estão cheias de pessoas que, por "quase acreditar" pulam de curso em curso, de ginástica em ginástica, de procura em procura. A maior parte das conversas é constituída das meias convicções dos que quase acreditam. Quase acreditar é perigoso, quando se assume compromissos em nome da expectativa de uma descoberta. Quase acreditar é confundir impressão com conclusão. Quase acreditar é querer sem saber. É ter vontade de ser. É não conseguir crer. É confundir opniões com convicção, indícios com evidências.

Acreditar em apenas uma verdade pode até ser lúcido. Só que às vezes (ou quase sempre) é impossível ter razão, quando se tem a plena lucidez. Acreditar apenas em uma verdade, faz líderes e faz fanáticos. Faz reformadores e faz retroadores. Constroi e paralisa. Acreditar em apenas uma verdade, seja religião, partido, time, escola de samba, interpretação, remédio ou solução, acalma a pessoa por lhe dar a sensação de tripular o Bem. Porém não resolve. Porque não pára o fluxo permanente do todo. Acreditar em apenas uma verdade é a fórmula permanente do todo. Acreditar em apenas uma verdade é a formula mais corriqueira de afogar a angústia e não saber conviver com a dúvida. O mundo cresce graças a quem acredita em apenas uma coisa. Mas é também por causa desdes que o mundo vive em guerra. Há séculos.

Acreditar em todas as verdades é ter a fé sem os limites impostos por qualquer sistema erigido para cultuá-la. É encher-se de luz. É ser filtro por onde passam as cores-maravilha do arco-íris. Acreditar em todas as verdades não é a inação: é a não-ação mais ativa do mundo. Não é acreditar ingenuamente: é manter a original e infantil vontade de conhecer logo, ser jovem eternamente. Os líderes, guias e avatares estão entre eses. São seres que pertencem ao depois e ao futuro; que perdem sempre os embates do imediato. Preferem o eterno ao útil. Só o tempo lhes confere dimensão.

Os que em nada acreditam levam a vantagem de sempre parecer acreditar piamente no que estão fazendo. Quase sempre, aliás, prosperam, porque em nada acreditar retira de suas atitudes aderências desnecessárias, culposas e trapalhonas, como por exemplo: idealismo; dedicação; amor ao trabalho e não ao resultado; boa vontade; altruísmo; sentimento de justiça etc. Os que em nada acreditam vão sempre longe, até porque não se obrigam a acreditar nem na própria vida e no sentido a ela imprimido. São felizes no imediato, cheio de êxitos no dia a dia e profundamente tristes e sofredores quando (ou se por acaso) perdem os embates ou ficam sozinhos.


Os que quase acreditam são vistos onde quer que haja uma comoção popular: decisão de campeonato, enterro de artista, desfile, passarela, concurso de Miss ou vestibular. São pessoas que conhecem muitas outras, sem conhecer a fundo nenhuma. Suas crenças mudam conforme gire a roda da moda. Os que quase acreditam às vezes até se envolvem com indícios de verdades em que julgam acreditar. Mas como é quase, eles acabam encontrando formas incoscientes de ser punidos pelo que adotam como seu, embora fosse apenas uma quase crença. Em estado de quase vivem se proclamando vítimas de injustiças...


Assim é o quatérnio da crença! E mais não digo.





domingo, 13 de maio de 2012

Mais poesia

Poetas

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

(Florbela Espanca In: Trocando Olhares)