terça-feira, 21 de abril de 2015

Crônica

A BELEZA DE UM ROSTO FEMININO 'FELIZFERIDO' POR BARBA DE AMOR
por
Artur da Távola

Perdoe, leitor, eu, um senhor antigo, algo pudico,desajeitado e venerável, tomar seu tempo e levar preocupação para tema pouco relevante e construtivo, o de um belo rosto de mulher, vermelho de barba. Vermelho de raiva, encabulamento, carmim ou rouge, é comum; mas vermelho de barba foi uma estréia! Não pense, por favor, que os anos vão tornando o cronista atrevido e amolecendo idealismos antigos, capazes de artigos salvadores, participantes, engajados, desalienados, vanguardistas e outras tantas nobrezas morais. Não pense isso. Mas raros sinais de amor podem ser ao mesmo tempo tão ofensivos e delicados quanto um rosto feminino felizferido por aquele troféu e denúncia: o selo avermelhado da irritação radiosa de uma barba.
Troféu e denúncia. Há mulheres que se douram no rosto depois de amar, mistura de barba com felicidade. Não era o casa da cena que narro, mero encontro "bem comportado" de quem vivia se amando a distância e trocou abraços e beijos, nada mais. Mas a marca no rosto daquela mulher de pele tão delicada foi uma súbita presença da realidade e da poesia.
A marca de barba é sempre ofensa carinhosa. Eco natural da brutalidade sem agressão da condição masculina. Espécie de resultado natural do encontro de peles no amor. A barba do homem ofende a delicadeza da pele da mulher como a mostrar o atrito das duas naturezas, a feminina e a masculina, tornadas uma só na união amorosa.
Dizem que o princípio feminino e o princípio masculino se separaram no início dos tempos. Eu digo que se reencontram em cada momento de amor. A unidade primordial dos dois, da qual saíram o homem e a mulher, é buscada no ato de amor. É encontro e procura, busca e tentativa, integração e troca. Um é o outro, na momentânea revivescência de quando eram a unidade. Daí a sensação de prazer desse reencontro do que é uno nas  peles, porque uno foi na paz  primordial.
A barba que leve ofende a face delicada da mulher, no encontro ou pré-encontro do amor, simboliza todas as procuras e ofensas do corpo que vai, depois, ser fecundado pelo amor ali (in) augurado. A fecundação é festa e ofensa. Festa porque vida, alegria, criação.  Ofensa, porque  alegria, vida e criação incham, modificam, alteram, machucam. Chegam a sangrar, até.
O rosto roçando no rosto é a primeira união, o encontro inaugural. É a ligação. É a ligação da parte do corpo que fala, vê, ouve, cheira, sente na pele as sensações eróticas que estabelecem as bases da afinidade. O encontro dos rostos é, portanto, o diálogo silencioso mas definitivo de partes muito significativas do homem e da mulher. No rosto está a sede dos sentidos.
No rosto lixado de barba, exitado de barba, ferido-amado de barba, está a mulher na eterna delicadeza de quem recebe, e o homem na ofensa natural de quem age. E a pele guarda zelosamente as marcas da barba, retendo lembranças dos momentos repletos de trocas, sons e diálogos secretos.
Impossível não se comover vendo a jovem mulher carimbada de amor, selada de pecado no passaporte da vida, que é o encontro de peles. Fere e excita, mas acaricia e agrada. É lindo verificar como a pele guarda a recordação do atrito que produz o calor do fogo, que aranha e engambela, como tudo o que ama, tudo o que procura, tudo o se atrai.